Foto: Agência Brasil
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT), por meio do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), divulgaram um relatório detalhado sobre os impactos da exploração de petróleo e gás no pré-sal. O estudo identificou 25 impactos socioambientais que ainda não foram considerados nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e nos Relatórios de Impacto Ambiental (Rima), documentos fundamentais para o licenciamento dessas atividades.
Impactos além dos considerados pelo licenciamento
Atualmente, os estudos técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e das empresas responsáveis pelo pré-sal analisam três categorias de impacto:
- Físicos: alterações no solo, na água e no ar;
- Bióticos: efeitos sobre plantas e animais;
- Socioeconômicos: mudanças na vida das comunidades, no trabalho e no lazer.
Entretanto, o relatório da Fiocruz e do FCT aponta que essa abordagem não é suficiente. Dessa forma, o estudo propõe cinco novas categorias de impacto que ainda não foram incluídas oficialmente nos processos de licenciamento ambiental. São elas:
- Culturais: impactos na identidade e na preservação das tradições locais;
- Econômicos e sobre o bem-estar material: mudanças na renda e no custo de vida das populações afetadas;
- Institucionais, legais, políticos e igualdade: desafios na governança e no acesso a direitos fundamentais;
- Qualidade do meio ambiente habitado e bem-viver: transformações no espaço onde as pessoas vivem e trabalham;
- Saúde e bem-estar das populações afetadas: efeitos sobre a saúde física e mental das comunidades.
Problemas no processo de licenciamento
Além disso, a Fiocruz destaca um problema significativo no atual processo de licenciamento ambiental: a fragmentação da análise dos impactos. Um exemplo claro disso é que os efeitos dos navios aliviadores, responsáveis pelo transporte do petróleo extraído das plataformas para os terminais em terra, não são devidamente avaliados nos EIAs.
“Atualmente, os estudos de impacto analisam apenas os navios-plataformas, ignorando os efeitos dos navios aliviadores, que geram emissões atmosféricas, ruídos e outros impactos ambientais”, aponta a instituição.
Por essa razão, a pesquisadora Lara Bueno Chiarelli Legaspe, do OTSS, ressalta que essa falha levou o Ibama a revisar o EIA para incluir os efeitos dos navios aliviadores na Etapa 4 do pré-sal. “Esperamos que o órgão licenciador considere também outras recomendações do relatório”, destaca.
Recomendações para aprimorar o licenciamento
Diante dessas falhas, o relatório propõe 14 medidas essenciais para tornar o licenciamento ambiental mais abrangente e eficaz. Entre as principais recomendações, destacam-se:
- Transformar o Projeto Povos de Caracterização de Territórios Tradicionais (PCTT) em política pública permanente, com atualizações periódicas;
- Ampliar a análise do licenciamento ambiental, considerando os impactos sobre territórios sustentáveis e saudáveis, e não apenas os aspectos físico, biótico e socioeconômico;
- Incluir todas as comunidades caiçaras, quilombolas e indígenas no processo de licenciamento;
- Realizar estudos aprofundados para identificar e classificar impactos socioambientais ainda não considerados nos EIAs;
- Elaborar planos de reparação justa e integral para os impactos já detectados, incluindo mecanismos de compensação financeira;
- Garantir que as comunidades afetadas participem ativamente da formulação de medidas compensatórias e das condicionantes do licenciamento;
- Realizar estudos sobre os impactos cumulativos da exploração de petróleo em cada território afetado;
- Incluir órgãos como Funai, Fundação Palmares e Iphan nas discussões sobre os impactos socioambientais e culturais do pré-sal.
Para Vagner do Nascimento, coordenador-geral do OTSS, essas recomendações são fundamentais para garantir que as populações tradicionais tenham voz ativa no processo de licenciamento.
“Precisamos mostrar os impactos dessas atividades com dados científicos e organizados, para que o empreendedor entenda que nossas comunidades precisam de reparação. O petróleo do pré-sal afeta a saúde mental, o direito de ir e vir e a cultura dos povos tradicionais”, enfatiza.
A expansão do pré-sal e seus desafios ambientais
Por outro lado, a exploração do pré-sal teve início há cerca de 18 anos no Brasil, abrangendo uma área de aproximadamente 800 km de extensão e 200 km de largura, entre os estados do Espírito Santo e Santa Catarina. Essa região tem o tamanho equivalente a três estados do Rio de Janeiro.
Atualmente, a Petrobras está em processo de licenciamento da Etapa 4 da exploração na Bacia de Santos, que prevê a perfuração de 152 novos poços. A produção estimada é de 123 mil m³ de petróleo e 75 milhões de m³ de gás natural por dia, com um tempo médio de operação de 25 anos para cada unidade.
Para se ter uma ideia da escala da produção, 123 mil m³ de petróleo seriam suficientes para abastecer 5,7 milhões de carros diariamente.
Diante dessa expansão, especialistas alertam para a necessidade de melhorar os critérios de licenciamento ambiental e fortalecer a fiscalização sobre os impactos dessas operações.
“O estudo não apenas aponta falhas, mas também sugere soluções para que o desenvolvimento do pré-sal ocorra de forma responsável”, explica Leonardo Freitas, coordenador-geral de Governança e Gestão do OTSS.
Perspectivas futuras para o pré-sal
A pesquisadora Marcela Cananéa, coordenadora de Justiça Socioambiental do OTSS, reforça a importância de dialogar com as comunidades locais para definir medidas compensatórias adequadas.
“O licenciamento precisa considerar as reais necessidades dos territórios afetados. As condicionantes devem ser construídas junto às comunidades, levando em conta suas demandas por saneamento, educação e desenvolvimento sustentável”, defende.
Carlos Eduardo Martins Silva, analista do Ibama que atua na Coordenação de Petróleo e Gás Offshore, reconhece a importância do relatório da Fiocruz para o aprimoramento do licenciamento ambiental.
“O estudo traz contribuições essenciais para identificar impactos que vão além dos tradicionalmente contemplados. Precisamos aprofundar as discussões e estabelecer nexos causais entre os impactos emergentes e a atividade de exploração de petróleo e gás”, conclui.