Foto: Agência Brasil
Habilidades como envio de mensagens em redes sociais, identificação de golpes e notícias falsas, uso de aplicativos bancários e até criação de perfis em apps de namoro farão parte da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil. Essa iniciativa busca preparar os alunos para uma participação mais segura e ativa na sociedade digital.
Inclusão da educação midiática na formação da EJA
Neste mês, teve início, em todo o país, a formação voltada para alfabetizadores da EJA, incluindo a educação midiática como um dos temas abordados. Dessa forma, os profissionais terão maior preparo para ensinar os alunos a lidar criticamente com as tecnologias.
A professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Daniele Dias, ressalta a importância da abordagem crítica das tecnologias: “Defendemos que essas ferramentas sejam exploradas de forma consciente, permitindo que os alunos as utilizem para facilitar suas vidas, sem depender delas como solução única para seus problemas”.
Parcerias para qualificação dos alfabetizadores
Dias coordena o Programa de Formação de Alfabetizadores e Docentes dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, desenvolvido pela UFPB em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e a Cátedra Unesco de EJA. Essa é a primeira capacitação nacional destinada aos alfabetizadores da EJA, alcançando 1,3 mil formadores regionais. Assim, esses profissionais repassam o conhecimento às redes de ensino, garantindo que coordenadores e professores apliquem os conteúdos em sala de aula. O curso, realizado online, seguirá até 2026.
O programa faz parte do Pacto pela Superação do Analfabetismo e Qualificação na Educação de Jovens e Adultos (Pacto EJA), lançado pelo governo federal no ano passado. Com isso, a iniciativa busca reforçar a educação para jovens, adultos e idosos que não tiveram a oportunidade de aprender a ler, escrever e realizar operações matemáticas básicas na infância.
Analfabetismo e desafios da inclusão digital
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 11,4 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais ainda são analfabetos. Esse número reforça a necessidade de ações que incentivem a inclusão educacional e digital desses cidadãos.
Atualmente, a alfabetização digital se tornou essencial para a integração plena na sociedade. “Muitas dessas pessoas precisam de ajuda para criar um perfil em aplicativos como o Tinder. Isso mostra como o analfabetismo impacta até a vida afetiva. Sem saber ler ou escrever, recorrem apenas a áudios no WhatsApp e enfrentam dificuldades em diversas situações cotidianas”, explica Dias. Além disso, a falta de conhecimento tecnológico aumenta a vulnerabilidade a golpes e crimes virtuais. “São essas pessoas que, muitas vezes, têm seus dados roubados na internet. Elas precisam de orientação para navegar com segurança e analisar criticamente as informações que consomem”, acrescenta.
Valorização da trajetória dos alunos
A formalização da educação para adultos no Brasil começou na década de 1940, diante da necessidade de alfabetização e formação de pessoas que não concluíram os estudos na idade regular. Para atender a esse público, a EJA divide-se em duas etapas: ensino fundamental (do 1º ao 9º ano), com duração mínima de dois anos, e ensino médio, concluído em um ano e meio. O ingresso no ensino fundamental da EJA exige idade mínima de 15 anos, enquanto o ensino médio requer 18 anos ou mais.
Manter os estudantes na escola é um dos grandes desafios dessa modalidade. Segundo o IBGE, 46,8% da população com 25 anos ou mais não concluiu o ensino médio. Além disso, o número de alunos na EJA caiu de 3,2 milhões, em 2019, para 2,5 milhões, em 2023. O investimento também sofreu redução: de R$ 1,4 bilhão, em 2012, para R$ 5,4 milhões, em 2021. Em 2022, subiu para R$ 38,9 milhões, mas ainda está abaixo do patamar de dez anos atrás. Os dados são do dossiê “Em busca de saídas para a crise das políticas públicas de EJA”, do Movimento Educação pela Base.
Ensinar jovens, adultos e idosos exige abordagens distintas da alfabetização infantil. “Muitas vezes, o estudante da EJA não se sente acolhido na escola, pois o professor pode não compreender suas necessidades. Quando a didática infantilizada não considera a vivência do adulto ou idoso, ele tende a abandonar os estudos”, alerta Dias.
Para reverter essa situação, o curso segue uma perspectiva defendida pelo educador Paulo Freire, valorizando os conhecimentos prévios dos alunos. “A alfabetização deve reconhecer que o estudante já possui vivências e saberes. Precisamos destacá-los e capacitá-lo como agente transformador da própria realidade”, afirma Dias.
Desafios enfrentados pelos professores da EJA
Marco Antonio de Souza, auxiliar técnico pedagógico da Secretaria Municipal de Educação de Ourinhos (SP), destaca que muitos professores da EJA não possuem formação específica. “A maioria das prefeituras não conta com docentes exclusivos para essa modalidade. Geralmente, os profissionais assumem essas turmas como carga suplementar para complementar sua jornada e renda”, explica.
A diversidade dos alunos é outro desafio. “Uma única turma pode ter jovens, adultos e idosos, além de pessoas com deficiência, LGBTQIA+, mulheres negras do mercado de trabalho e trabalhadores informais. O público é variado, e o professor precisa se preparar para lidar com essa realidade”, enfatiza Souza.
Em Teixeira (PB), a formadora Luzia Nadja Carneiro destaca o impacto positivo da qualificação docente. “Antigamente, a EJA era vista como um gasto para os municípios. Hoje, temos a oportunidade de capacitar os professores, e isso transforma toda a equipe”, afirma. Carneiro relata que muitos alunos relatam que, antes de estudar, sentiam-se “cegos” diante dos textos. “Com o conhecimento, eles enxergam o mundo de outra forma. A educação realmente transforma vidas”, conclui.
Formação inédita e perspectivas futuras
Zara Figueiredo, secretária da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC, informa que todos os estados, o Distrito Federal e 91% dos municípios já aderiram ao Pacto EJA, com adesões ainda abertas.
Nesta semana, o MEC publicará uma portaria instituindo um grupo técnico para definir metas e indicadores de monitoramento do Pacto EJA. “Os indicadores exigem ajustes detalhados, pois impactam financiamento e auditorias. O Ministério do Planejamento e a Controladoria-Geral da União (CGU) fazem parte do grupo técnico”, explica Figueiredo.
Além disso, o MEC encomendou um estudo sobre os impactos econômicos da alfabetização e educação de jovens, adultos e idosos, com divulgação prevista para este semestre. “A alfabetização é essencial para a cidadania, a economia e a democracia. Podemos investir em automação e parcerias, mas sem educação, não há retorno econômico sustentável”, conclui Figueiredo.