Em meio à onda de suicídios – cinco – e três tentativas de autoextermínio registradas na ala LGBTQIA+, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) converteu toda a Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte, na primeira unidade prisional do Brasil dedicada exclusivamente a receber presos autodeclarados gays, lésbicas, travestis e transexuais. A mudança silenciosa ocorreu em 15 de junho. As informações sobre suicídios ocorridos na penitenciária pertencem à Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), que ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) contra o Estado de Minas Gerais por omissão na preservação da vida dos custodiados que se mataram. 

Originalmente criada com o intuito de ser um presídio misto, para homens e mulheres, a Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria tornou-se unidade obrigatoriamente masculina antes de 2010, quando foi concebida a primeira ala LGBTQIA+ de Minas Gerais. Com a mudança recém-definida, a Sejusp transferiu o público masculino, cisgênero e heterossexual ali custodiado para outras prisões da região metropolitana.




O número de detentos transferidos não foi informado pela secretaria. Com a transformação da penitenciária de São Joaquim de Bicas na primeira unidade prisional LGBTQIA+ do país, uma série de reformas estruturais foi iniciada na prisão. De acordo com a Sejusp, um pavilhão será reestruturado, e outro receberá nova pintura. As reformas, cujo valor também não foi revelado pela secretaria, já estão em andamento.

Olhar crítico




Primeira ala LGBTQIA+ do sistema carcerário de Minas Gerais, o pavilhão da Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, em São Joaquim de Bicas, tornou-se referência na recepção de internos autodeclarados LGBTQIA+, pouco importando a região do Estado onde aconteceu a detenção. O procedimento de transferência impossibilitou a manutenção do elo entre detentos e famílias que não conseguiam deslocar-se a São Joaquim de Bicas. Egressa da ala na Jason Soares Albergaria, Isabella Cristina, 33, crê que a instalação de celas dedicadas e esse público nas 222 prisões mineiras que não têm o espaço seria o único caminho viável para solucionar o problema da distância entre internos e parentes – afastamento que, para ela, impacta diretamente na saúde mental dos que cumprem pena. 

“Tem meninas que não são de Minas Gerais, que são de São Paulo, do Ceará, do interior. A família está longe. Eles quiseram transformar a cadeia inteira em espaço LGBT, mas eu não concordo. Para quê tirar as meninas de perto das famílias e concentrá-las aqui? Como é que acontece a logística das visitas? Como é que uma família sai, por exemplo, de Uberlândia, do Sul de Minas, do Norte de minas, para visitá-las? Eu acho que cada lugar deveria ter uma ala ou uma cela para acolher esse público”, critica.




A conversão da Jason Soares Albergaria em penitenciária LGBTQIA+ é questionada pela antropóloga Vanessa Sander. Especialista nas relações entre prisão e gênero, foi ela quem denunciou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), no último dia 18, a série de mortes ocorridas na ala dedicada a esse público na unidade prisional. “Em meus estudos reparei que o sistema prisional responde a seus problemas com medidas de ampliação. Ou seja, eles decidem solucionar os problemas do cárcere criando mais cadeias em vez de adotar medidas de desencarceramento que foram encorajadas, inclusive pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com a pandemia”, avalia a especialista.

Primeiro passo. A defensora pública Camila Gomes espera que a mudança implique um olhar mais atento da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) para a população LGBTQIA+ encarcerada. “Temos esperança de que seja uma mudança para melhor. Concentrar o grupo LGBT em único presídio facilita que demandas específicas dessa população sejam atendidas. Quando havia pavilhões masculinos e a ala LGBT, parecia mais complicado dar um tratamento com respostas às demandas próprias de cada grupo”, pondera. 




Ciclo sem fim

Para a antropóloga, a transformação imposta pela Sejusp não impede problemas como a superlotação. “Quando comecei meus levantamentos, a ala LGBTQIA+ ocupava o menor pavilhão dessa penitenciária. A ala começou a superlotar e passou a funcionar em dois pavilhões. Imagino que acontecerá o mesmo agora com a conversão da cadeia toda. É um ciclo de superlotação, que não terá fim”, considera Vanessa Sander.




Frente as indagações feitas pela reportagem nessa quarta-feira (30), a Sejusp informou que o objetivo do governo em tornar o presídio uma unidade exclusivamente LGBTQIA+ é direcionar ações específicas para esse corpo da massa carcerária. “A região metropolitana de Belo Horizonte é a região do Estado onde mais se acautelam presos. O objetivo com a mudança é criar uma unidade mais exclusiva para o público LGBTQIA+, com ações direcionadas especificamente para esses presos”.

À tarde de terça-feira (29), o órgão de segurança disse, em nota, que a atual taxa de ocupação do presídio é de 65%. Entretanto, não informaram qual a taxa de ocupação antes da transferência dos presos dos pavilhões masculinos. Sabe-se apenas que o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos constatou superlotação de 113% na Ala LGBTQIA+ da Jason Albergaria Soares em visita técnica feita em 2020.